Reportagem: Nichollas Judson
18h-28/10/2025
Surgindo em março de 2011 na China pelos chineses Su Hua e Cheng Yixiao, o Kwai nasceu com o intuito de compartilhamentos de GIFs, mas foi em 2012 que o app começou a ser utilizado como plataforma de vídeos curtos, virando sucesso na China. Em 2019, a plataforma desembarca no Brasil, repetindo o mesmo sucesso.
Com falhas em sua moderação, se é que existem falhas, o kwai acabou se tornando terra sem lei, com chuva de vídeos que pregam a desinformação e vão até a sexualização de crianças e adolescentes. Um bom exemplo disso foram as eleições de 2022, quando a Big Tech foi acusada pelo Ministério Público Federal por disseminação de conteúdos falsos com o simples objetivo de subir o número de usuários e sua audiência.
Em uma matéria publicada pelo site Aos Fatos em janeiro de 2024, denunciou-se o vasto conteúdo entre lives e vídeos onde crianças são expostas a assédio e até chantagem. Na plataforma de vídeos rápidos, a sexualização é uma regra se você quer ganhar um grande número de seguidores e dinheiro. Seja em lives ou vídeos postados na plataforma, crianças e adolescentes estão sempre sofrendo assédio de pedofilos. Mas o que chama ainda mais a atenção é que parte desses conteúdos é postada pelos pais desses menores em troca de dinheiro.
Ao acompanhar uma live no aplicativo de vídeos curtos, não foi difícil achar nos comentários frases como “Delícia”, “Levante a Blusa”, “Gostosa”, entre outras frases de cunho sexual destinadas às crianças e adolescentes. O site Aos Fatos mostrou em sua matéria que existem canais de divulgação no Telegram para a troca de pornografia infantil referida pela sigla CP (child pornography, em inglês).
“Vocês estão falando que é para ‘mim’ dançar, rebolar, fazer quadradinho… E aí, está melhor?”, indagou uma garota que parecia ter menos de dez anos e fazia uma transmissão.
Numa das lives testemunhadas pela reportagem do Aos Fatos, “um usuário preocupado com a exposição da criança denunciou à plataforma a transmissão irregular — procedimento que se repetiu em quase todas as outras transmissões de menores.” Porém, a atuação do Kwai ao receber a notificação demonstra as fragilidades no sistema.
Durante as lives com menores se exibindo quase que seminuas, homens adultos fazem ao tempo todo chantagens com essas menores, pedindo para elas mostrarem mais e ameaçando a derrubar as lives caso tenham o pedido negado.
Pela regra do kwai, nenhum menor poderia estar usando o app sem o aval dos pais, mas muitos exibem seus filhos na rede de vídeos curtos em troca de likes.
O assédio ao vivo é apenas uma face da sexualização de crianças e adolescentes no Kwai. Segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, no ano passado foram registradas 19 denúncias relacionadas ao aplicativo por violência contra menores de idade, contra 4 denúncias em 2022.
O site Aos Fatos constatou que, em poucos minutos, é possível treinar o algoritmo do aplicativo simulando interesse de predador sexual.
Para o experimento, foi utilizada uma conta nova no Kwai após instalar o aplicativo em um celular que nunca tinha explorado a plataforma.
- Inicialmente, foi feita uma busca utilizando como palavra-chave o termo “novinha” — expressão com conotação sexual que costuma se referir a crianças e adolescentes.
- A busca resultou, sobretudo, em vídeos de jovens dançando.
- Nesses vídeos, a reportagem identificou usuários que deixavam mensagens com insinuações de cunho sexual e visitou seus perfis.
- Nessas contas, foi explorada a aba “curtidas”, para visualizar o tipo de conteúdo que interessava aos usuários que assediavam as meninas.
- Após o exercício ser repetido algumas vezes, o algoritmo passou a sugerir de forma quase exclusiva o mesmo tipo de conteúdo que havia sido visualizado nas contas visitadas.
O recorte feito pela tecnologia da plataforma não se limitou às adolescentes, entregando também vídeos de meninas pré-puberdade, incluindo crianças de fralda. Os conteúdos exibidos não necessariamente sexualizavam as meninas de forma explícita, mas isso não impedia que homens deixassem comentários expressando desejo, por vezes de forma chula.
O Kwai disse que está “comprometido com a proteção de menores” e que “não permite conteúdo que retrate ou promova abuso, dano, perigo ou exploração na plataforma”. A empresa considera que “a natureza em tempo real das transmissões ao vivo e o dinamismo com que são adaptadas às técnicas de violação fazem com que a identificação de comentários e conteúdos indevidos seja um desafio”, mas afirma estar “sempre buscando novas formas de melhorar seus mecanismos e políticas” para garantir um ambiente digital “seguro e saudável” para os usuários.
No posicionamento, o Kwai diz também que está “melhorando seu algoritmo e aperfeiçoando o treinamento da equipe de moderadores locais” e que mantém “constantes conversas com profissionais especializados e a sociedade civil para identificar ameaças”. A plataforma reforçou ainda que possui recursos para que usuários denunciem comportamentos e vídeos inadequados e “mecanismos de segurança que operam 24 horas por dia, combinando análise humana e inteligência artificial para identificar e remover rapidamente tais conteúdos impróprios”. Mas, pelo que parece, esse tal comprometimento só existe na nota divulgada, pois de 2022 até a data de hoje, 28/10/2024, o app está repleto de vídeos com crianças e adolescentes se exibindo para abusadores.
Denúncias. Quem se deparar com pornografia infantil na internet pode reportar o caso à Central Nacional de Denúncias da SaferNet e à Polícia Federal (denuncia.ddh@dpf.gov.br). Casos de abuso e exploração sexual de crianças — inclusive fora da internet — também podem ser denunciados, de forma anônima, pelo Disque 100.
fonte: site Aos fatos.